Há pouco mais de um ano, tive a oportunidade - e o imenso prazer - de conhecer pessoalmente a atriz/ diretora/ dubladora Lucia Helena Azevedo, uma das profissionais mais gabaritadas e conhecidas da dublagem paulista. Ao lado dos amigos Vitor Souza e Yuri Calandrino, nos encontramos na hora do almoço, e pudemos conversar um pouco sobre a dublagem de um modo geral.
Lucinha foi extremamente gentil e atenciosa, doando seu tempo por algumas horas e contando coisas muito legais sobre sua carreira na dublagem, e pessoas que conheceu durante a vida profissional.
Como o foco deste espaço são as séries japonesas dos anos 80 e 90, estarei transcrevendo praticamente todo o bate papo focado nesse tema, respeitando ao máximo a oralidade, assim como fiz quando conheci a Christina Rodrigues. Vamos ao que interessa:
Quando
você começou a carreira na dublagem? É possível Lembrar o ano, quem foi o
diretor, o estúdio e o personagem?
Comecei a
dublar com 12 anos. Hoje tenho 54, então foi em 1971, certo? Minha mãe, Yolanda
Cavalcanti, era dubladora e trabalhava bastante na A.I.C. Tivemos uma vida bem
pobre, e quando eu saia da escola, ia direto para o estúdio me encontrar com
ela, e almoçávamos juntas numa venda que tinha lá perto. Um dia, o Nelson
Baptista nos viu e disse que queria que eu fosse com ele fazer uma gravação.
Relutei, pois tinha vergonha, e ele insistiu tanto que acabei indo. Era a série
O Elo Perdido, onde ele fazia o menino, o Gilberto Baroli o pai, e eu a irmã.
Fiz essa série inteirinha com ele me dirigindo diretamente na bancada. Depois,
a informação de que eu estava dublando espalhou-se e chegou até a Cine Castro,
então o Silvio Navas me chamou pra fazer um dos primeiros animes, eu acho, e o
nome era Guzula. Fazia a amiga do monstrinho, a principal da série, e era muito
gostoso fazer. Foram séries importantes com pessoas importantes no meio. Dublei
também vários filmes na época, mas esses dois marcaram mais por serem os
primeiros.
Em
todos esses anos de carreira, qual o trabalho que mais exigiu de você, seja ele
na direção ou na dublagem?
Ao longo
desses anos todos, foram tantos trabalhos importantes que fica difícil citar
um só. Mas teve um filme, que infelizmente eu não lembro o nome, mas era uma
mulher que era surda e tinha dificuldade pra falar. Ela era a protagonista e
falava o tempo todo, ria, chorava, tudo com muita dificuldade, era quase como
se tossisse quando falava. Ela era muito intensa, muito emocional, enfim, foi
muito trabalhoso fazer, e foi um desafio que motivou elogios, inclusive da
própria emissora que exibiu o longa metragem. Todos os colegas que assistiram
elogiaram. Já faz muito tempo, mas marcou. Vou citar um outro, que também
exigiu muito de mim e é mais recente: GLEE, onde dublei a Sue Sylvester. Foi
legal de fazer, e foi um trabalho importante. Na direção, há alguns anos dirigi o
PRISON BREAK inteiro, que exigiu muito de mim, me envolvi ao extremo e tentei
fazer da melhor forma possível, me preocupando muito com a amarração da
historia de cada um. Ambos foram na DublaVideo.
Como
foi a época das séries japonesas, iniciada em 1986 e finalizada em 1995? Havia
testes para os personagens fixos ou simplesmente a escalação, baseado no
conhecimento que o diretor tinha da capacidade de cada ator?
Foi
exatamente neste período que cheguei na Álamo. Nunca havia dublado neste
estúdio enquanto o prédio era na Major Sertório, só depois que mudou pra Rua
Fidalga. Comecei fazendo algumas pontas no Jaspion e Changeman, dentre outras
coisas, até chegar o dia em que o fui presenteada com a Sara/ Yellow Flash. Sim,
a escalação era sempre segundo o feeling
do diretor, que era o saudoso Líbero Miguel na época.
Seus
primeiros trabalhos nesse gênero de série foram a Sáti e a Kanôko em Jaspion, e a
Áira e Nâna em
Changeman. Em seguida vc protagonizou Flashman, fazendo a
Sara/ Yellow Flash. Como foi fazer a personagem numa das melhores dublagens na
opinião dos fãs até hoje?
Sempre
digo que a personagem que mais gostei de fazer foi a Sara, de tudo que fiz até
hoje. Isso por que naquela época, éramos uma equipe muito unida, todos jovens,
e que estávamos adorando dublar aquilo. Gravávamos todos juntos no estúdio 03
da Álamo, e nos divertíamos demais. As vezes um de nós errava, e tínhamos que
fazer tudo de novo, daí o Líbero entrava “bravo” no estúdio e eu abraçava ele e
acabávamos todos rindo. Até o seu Michael Stoll, dono da empresa, que era mais sério acabou se
divertindo.
Depois
do sucesso como Yellow Flash, vieram outros personagens eternizados pela sua
voz, na sequência: Shinobú em
Lion Man (Laranja); Ágnes e Janne em Jiraiya; Yôko em Jiban;
Saôri em Lion Man
(Branco); e várias pontas em Metalder e Sharivan. Recorda-se da Yôko e da
Shinobú?
Lembro
sim, mas no caso da Yôko, ela aparecia menos, pois o principal era o Jiban,
personagem do meu querido e saudoso Carlos Laranjeira.
Você
se lembra de algum fato curioso dos bastidores na época das gravações?
Lembro de
nos divertirmos muito, o Brêtas era animado, o Camarão era um pouco mais
reservado, mas também brincava, o Laranjeira maravilhoso e a Christina que
sempre foi minha amiga, um doce. No fim do dia, depois de todas as gravações, íamos
quase todo mundo para um barzinho descontrair. Isso acontecia com freqüência.
Quando acabamos de fazer o Flashman, o Líbero e o seu Michael reuniram o elenco
todo, e disseram que aquele era o melhor trabalho que tinham feito, mas porque
tinha sido feito ali e com aquelas pessoas. Todos choramos e nos abraçamos, emocionados.
Fale
um pouco sobre Líbero Miguel e Carlos Laranjeira, profissionais brilhantes que
participavam frequentemente dos seriados, e que protagonizaram personagens ímpares
durante suas carreiras.
Líbero
foi como um pai pra mim. Adorava ele e senti muito quando partiu. Na minha
opinião, nesta época, ele foi o maior e melhor diretor da história da dublagem,
insubstituível, maravilhoso caráter e extrema competência. Amo ele onde quer
que esteja.
Já o
Laranjeira, foi o irmão que não tive. Conheci ele neste período, e nos tornamos
amigos inseparáveis. Ele era uma pessoa muito honesta, leal, amigo, bondoso,
humano, simples, risonho, e muito bonito por dentro e por fora. Adorava tomar
sol, mesmo se fosse no topo do prédio onde morava. Não tinha vício nenhum, e
adorava tomar suco natural, e eu acompanhava, sempre depois de dublar. Cantava divinamente,
e a música predileta dele era “Paz do meu Amor/ Menino Passarinho”, que
acompanhava tocando seu violão. No começo de 1991 ele ficou doente, afastou-se
da dublagem, e foi morar em Santos com a família. Ficou vivendo lá, com uma das
irmãs, onde continuou trabalhando com arte. Eu ia e voltava todos os dias para visitá-lo,
e fiquei ao lado dele até o fim. A tristeza pela sua partida foi tanta que
fiquei uma semana sem trabalhar. Até hoje sinto a falta dele. O vazio que ele
deixou continua dentro de mim. Nunca mais a dublagem foi a mesma desde que eles
se foram. Não existem mais pessoas como eles.
Outros
grandes profissionais marcaram nossas vidas dublando inúmeros heróis e vilões,
mas não existe quase nenhuma informação sobre eles, alguns nem mesmo uma só
foto. Poderia nos contar algo?
Agora
você já tem as fotos do Gastão Malta e do Ricardo Medrado. Gastão era uma
pessoa séria, não gostava muito de brincadeiras, mas comigo sempre foi
carinhoso, até porque já me conhecia desde pequena por causa da minha mãe.
Marcos Lander tinha um humor fantástico, coisa que é difícil explicar. Era uma
pessoa que brincava com tudo, sem baixar o nível e debochar, de bem com a vida.
Era cativante. A Sônia Regina foi uma das minhas melhores amigas na época. João
Paulo era o galã da dublagem, com aquela voz maravilhosa, tinha cabelos meio
longos e usava bigode. Alguns atores de cinema só ele fazia. Ricardo Medrado
era um jovem que andava de moto e usava roupas escuras. Curtia rock, e sempre usava óculos
escuros. Tinha personalidade forte, mas era muito engraçado, descolado e
inteligente. O Líbero gostava demais dele. O Nelson Baptista foi um dos
diretores mais exigentes que conheci, pra ele não tinha meio termo, ou estava
ótimo, ou estava péssimo. Aprendi muito com ele.
O
que tem feito atualmente? Seja na dublagem, direção ou outros projetos? No caso
de direção, em qual estúdio?
Até uns 3
anos atrás eu dublava frequentemente e dirigia na DublaVideo em tempo integral.
Mas começou a ficar exaustivo demais, e acabei recebendo um convite da Tempo
Filmes para dirigir apenas meio período, e acabei aceitando. Atualmente estou
fazendo direção na Vox Mundi e na Centauro, intercalando direção e dublagem ao longo dos dias.
São pouquíssimos estúdios de São Paulo que eu não trabalho.
Deixo aqui registrado meu muito obrigado à Lucinha, que realizou mais um dos tantos sonhos da minha vida quando se diz respeito a dublagem: o de poder encontrá-la pessoalmente e ouvir a sua voz - que pela vida toda acompanhei pela TV - saindo diretamente de sua boca. Foi emocionante e marcante para mim, e jamais esquecerei este dia. Longa vida e saúde para o sinônimo de voz das moças de olhos puxados nos anos 80 da Álamo!
Detalhe é que a Lucia Helena
ResponderExcluirdublou Dayu em Power Rangers
Super Samurai, por coincidência
ou quem sabe homenagem.
O que dizer...?! Vocês são demais caras...!Essa "vozinha" doce dela ficou marcado aqui na minha lembrança e coração...! Muito do 'amor platônico' que eu nutria pela Sara(yoko Nakamura),Também é devido a ela! rs Grande Lucinha! Excelente profissional! Gosto também, que você sempre faz qualquer citação ao saudoso Laranjeiras; e no que vejo pelas poucas fotos que são disponibilizadas e nos comentários de alguns de seus colegas, é que ele era um típico garotão da geração New Wave, 'Geração Saúde'...! E nossa, que demais, cara....! Valeu mesmo por mais essa sensacional entrevista! Agora só faltam Camarão e Brêtas... Laranjeira segue no coração! Valeu, um abraço!
ResponderExcluirCara! muito show está entrevista. "Véio",ela dublou e muito bem!!!,a Sara(Yoko Nakamura),em Comando Estelar Flashman. Bons tempos!,hehehe!
ResponderExcluirOlá, obrigado pelos comentários.
ResponderExcluirHanock: Como já te disse anteriormente, estou na batalha pelos dois "Flashmen" que faltam. Uma hora eu consigo. De antemão eu digo que conversei já com outro dublador, que também fez tokusatsu, e participou bastante em Metalder, Maskman e Black. Em breve!
Olá Ivan, sou um admirador de dublagem e do teu blog, você consegue descobrir coisas do arco da velha. Sabe gostaria que se pudesse, pesquisasse sobre o finado dublador do Professor Girafales, Potiguara Lopes.
ResponderExcluirOlá "Anônimo", obrigado pelo elogio. Busco escrever aquilo que gostaria de ler.
ResponderExcluirSobre o Potiguara, realmente é difícil de achar informações. O Osmiro Campos deu uma entrevista para um podcast, se não me falha memória é um "chavocast", onde comenta algo sobre ele, de sua personalidade, onde morava, etc.
No mais, o que consegui descobrir é que ele era extremamente vaidoso, e só usava terno e gravata pra sair de casa. Era uma pessoa muito fina e culta. Me parece que não deixou descendentes, por isso é tão difícil de encontrar fotos.
Mas estou sempre buscando informações, e quando aparecer algo novo, certamente compartilharei com os fãs dele.
Obrigado.
Sou um grande fã da Lúcia,amo muito.
ResponderExcluirNice Post...
ResponderExcluirLanguage Translation Services