Hoje, depois de um grandioso hiato, volto a redigir uma
postagem neste blog, em tom de homenagem.
Ao longo das pesquisas, procurando por dubladores
oitentistas que fizeram personagens nos tokusatsu's, acabo me deparando com
descobertas inusitadas, e prazerosas. Este caso em específico, foi um deles.
Atrás do dono da terceira voz do Lion Man (Branco), que
acabou sendo o Alexandre Reinecke, já retratado neste post, acabei chegando ao
Antonio Velloso. Ao ouvir um trecho uma vez enviado, quem opinou, achando que a
voz pudesse ser dele, foi o Francisco Brêtas.
Em contato com o Velloso, este surpreendentemente negou
ter feito um protagonista de série japonesa. Resumiu-se em dizer que em
dublagem, havia feito muito pouca coisa, somente "pontas", e isso de certa
forma me intrigou. Foi então que fomos conversando mais a fundo. Tudo isso
aconteceu em Junho de 2.011:
"Ivan,
louvo o seu trabalho. Pedi para que me ligasse para esclarecer essas dúvidas.
As pessoas sempre me confundem com relação a dublagem. Em viagens que fiz, me
dizem até os nomes dos personagens que eu dublei, dizem reconhecer minha voz.
De fato, quando alguém me vê no teatro sempre me perguntam se eu dublo, e isso
não acontece só aqui em São Paulo; eu viajei o Brasil todo e chegou um dado
momento que eu deixei de negar, pois, aos olhos das pessoas, passa uma imagem
de antipatia. Fica mais difícil dizer que não sou eu, e, às vezes, frustra a
pessoa interessada, então deixo por isso mesmo.
Nesse tempo
que eu frequentei a Álamo, tempo do Líbero, nós fazíamos estágios, então eu
frequentei muito aquele estúdio, veja bem, "frequentei". No máximo
que eu dublei lá, nesse período, e não houve outro, foram alguns "bom
dia", "boa tarde"; nada além disso. Quando o Libero começou a me
dar alguma coisa a mais, infelizmente ele morreu e acho que deixou muita gente órfã.
Conheci todas essas pessoas que você cita, mas, não trabalhei com elas. O
Francisco Brêtas é um grande amigo, e se até ele confunde...
Quer dizer,
nessas viagens que eu fiz pelo Brasil todo, com teatro, descobri que as pessoas
conhecem e a identificam quando a ouvem no teatro, eu até acho divertido, mas o
mérito deve ser dado a quem de fato fez o trabalho. Talvez agora você entenda,
não é modéstia, é questão de honestidade.
Ao seu dispor...
Abraços,
Antonio Velloso."
Continuando o
papo, ele me enviou dois vídeos do Youtube com trabalhos seus. Lá pude
constatar o erro de identificação, e realmente chegar na real voz dele, que
curiosamente também participou das séries japonesas. São estes os vídeos:
e
Assim,
comparando, achei interpretações dele em Machine Man (um policial no capítulo
09); em Goggle V (vozerios nos capítulos 26, 27 e 35) e uma participação um
pouco maior em Metalder: fez a primeira fala do personagem Ypsilone Leviatãn
no capítulo 03, depois o Beta Águmis no capítulo 04, e o encarregado do Beta
Saxôn no capítulo 13. Todos estes seriados foram dublados entre os últimos meses de 1989 / primeiros meses de 1990.
Segue um trecho contendo um "pot-pourri" com
todas as suas participações no gênero.
Infelizmente, fiquei sabendo de sua morte, através
do Facebook. Acho justo deixar registrado mais um profissional que deixou um
pouco de seu trabalho e legado para os fãs dos Live Action.
Faleceu no dia de hoje, aos 64 anos. Data de nascimento:
19/12/1952. Descanse em paz, Antonio Veloso da Silva.
É com muita satisfação que trago mais uma revelação, a respeito de outro dublador que fez trabalhos nas séries japonesas nos anos 80. A descoberta desta vez, é o ator e comediante Pedro Américo.
As pesquisas a respeito desta voz deram início no ano de 2009, quando revi a série Policial de Aço Jiban, feita nos tradicionais estúdios da Álamo, sob direção da Nair Silva. Inicialmente dublada em dois lotes - o primeiro no segundo semestre de 1989 e o restante no primeiro semestre de 1990 - teve sua exibição pela Rede Manchete e saiu em fitas VHS pela distribuidora Top Tape.
Exatamente nos capítulos 30 (O Misterioso Ataque ao Ator) e 31 (A Batalha Ninja), apareciam dois Bionóides com uma voz diferente das mais comuns daquele período. E era nítido que o trabalho não era feito por um iniciante, porém, foi uma interpretação que não encontrei em mais nenhum outro trabalho, em nenhuma outra série. Mesmo assim, sabia que era um nome importante e que deveria ser pesquisado.
O monstro Kabukinóide tinha uma entonação cômica, uma vez que o personagem é derivado das traducionais peças do teatro Kabuki, amplamente conhecidas no Japão. O jeito desregrado de falar dificultava a pesquisa, pois tentar descobrir o dono da voz de uma dublagem através de um falsete é um trabalho praticamente impossível. Mas em determinado trecho, a criatura fica de lado e se transforma num ser humano, o que faz com que a voz seja a "padrão" do ator. Mas isso não facilitou em nada o meu trabalho.
No episódio seguinte, o monstro Shinobinóide claramente tinha a mesma voz, porém desta vez mais rasgada, o que criava um terceiro padrão para adotar na pesquisa. E este em nenhum momento usava a voz "normal" do dublador, afim de aumentar a minha amostra de material sonoro. Sabia que esta empreitada seria árdua.
Como de praxe, contatei a diretora e muitos outros dubladores ativos naquele período, tentando saber se alguém recordava do dono da voz. Como eu imaginava, passados 20 anos, ninguém conseguiu ligar o nome da voz à pessoa. Após algumas semanas de pesquisas, fui obrigado a arquivar (mas não desistir) temporariamente este trabalho.
Passados 5 anos, o Mauro Eduardo Lima fez uma publicação em seu mural no Facebook, mencionando o nome de vários dubladores que há muito tempo já não estavam entre nós. Eu conhecia e tinha catalogado o trabalho de todos os citados, com exceção de um certo "Pedro Américo" . Indaguei inbox sobre esse ator, e obtive a seguinte resposta:
De posse dessa informação, retomei a pesquisa. Encontrei os nomes de Leda Figueiró, Zayra Zordan, Marcos Lander e Fabio Villalonga como os demais integrantes do programa do palhaço símbolo do atual SBT. Contatei os dois que estão na ativa (Figueiró e Lander são falecidos), mas as informações eram desvirtuadas, e não consegui a confirmação de qual das inúmeras vozes que tenho em meu acervo poderia pertencer ao Américo.
Eis que certo dia, não me recordo por intermédio de quem, aparece em minha linha do tempo um vídeo compartilhado de um trecho do programa do BOZO, no qual o Villalonga e o GIBI apareciam, e a moça (dona da postagem) se referia ao terceiro ator do vídeo como "pai". Nesta hora, percebi que era o momento de desvendar o mistério. Prontamente contatei a Julia Oliveira, e iniciamos uma conversa.
Curiosamente ela também fez um curso de dublagem na Álamo nos anos 80, sob a tutela de Líbero Miguel e Ézio Ramos, e sua mãe havia trabalhado na Odil Fonobrasil. A veia artística estava no sangue da família. Mas infelizmente, até o momento, não consegui identificar a sua voz em algum trabalho da época.
Pai e filha, nos anos 70.
Pedro Américo Rodrigues Ferreira era natural do Ceará, onde cursou a Universidade Federal de Artes Cênicas naquele estado, e fazia parte da Companhia de Artes Dramáticas e Comédias. Nos anos 80, mudou-se para o Rio de Janeiro, afim de trabalhar com Os Trapalhões. O mundo girou, e este foi parar em São Paulo, sendo um dos primeiros funcionários contratados da emissora de Silvio Santos. Além das outras ocupações, também era radialista. Nascido em 1950, faleceu em 14/09/92, por conta de uma tuberculose, acarretada pelo tabagismo.
Sua filha diz que ele fez muitas dublagens na carreira, informação esta confirmada pelo texto do Mauro Eduardo, o que abre um grande leque para procurar mais trabalhos desse profissional nas minhas pesquisas focadas nos anos 80. Me contou inclusive que ele havia dublado no seriado Punky, que o SBT reprisou há alguns meses, mas a série foi tirada do ar antes de qualquer participação do Américo.
Ouça os trechos dos trabalhos dele na série do Jiban, clicando abaixo:
Como venho tendo o prazer de fazer nos últimos anos, cá estou eu relatando mais um dia inesquecível e prazeroso de minha vida, onde tive a oportunidade de conhecer outro dublador que marcou minha infância e adolescência com seus trabalhos: ninguém menos que José Parisi Junior. Ele, que tem uma vasta carreira na arte, já foi sócio e dono de famosos estúdios ao longo dos anos, mas para aqueles que acompanham este blog, certamente não há necessidade de apresentação.
Nosso encontro e bate papo ocorreu em São Paulo, no dia 27/07/2014, nas dependências do restaurante Planeta's, um agradável estabelecimento, com ótima comida, e claro, chopp gelado. E claro, como de costume, na companhia do amigo Vitor Souza:
Parisi conversa sobre tudo, não foge de perguntas, e toca em assuntos polêmicos do passado por si só: faz questão de explicar inúmeros acontecimentos envolvendo seu nome e uma de suas empresas.
Pois bem, sem mais delongas, segue um resumo de tudo o que conversamos,
focado mais no período preferido por mim da dublagem, que são os anos 80
e 90 da arte paulista:
A pergunta clichê: quando e como
você iniciou a carreira na dublagem?
Comecei
quando tinha menos de 10 anos, indo junto com meu pai para a A.I.C. Ficava
sentado acompanhando as gravações, mas na época, confesso que não me agradava
muito, afinal, via um bando de adultos em volta da estante, fumando,
conversando, e cenas do que estava sendo dublado no telão, mas não em
seqüência, por isso não tinha como compreender nada. Lembro de praticamente
todos os precursores dessa época, talentos inigualáveis que foram meus amigos
pela vida toda.
E onde encaixa o seu pai na
história da arte?
Ele foi
um nome importante da TV. Dirigiu e atuou em muitas obras. Fez sucesso na rede
pioneira, a Tupi. E também dublou uma grande parte da vida, praticamente até
falecer, no fim dos anos 80. Nessa época, a dublagem era uma arte meio
abnegada, pois muita gente tinha vergonha de dizer que dublava, embora
praticamente estivessem vivendo daquilo. O sinônimo de sucesso era mesmo o
rádio e a TV.
José Parisi "pai": onde tudo começou.
Lembra de algum fato curioso desse
início?
Um fato
legal que me recordo era da qualidade da pessoa do senhor Benito di Nardo. Eu
fui me aproximando dele, porque muito pouca gente dava a devida importância
para a contra-regra, mas era um trabalho extremamente meticuloso na época. Cada
dia ele me chamava pra ver uma coisa diferente, e uma que tenho a nítida
lembrança, foi de quando ele literalmente me fez “ver o som”, através da banda
magnética impressa na película. Era possível, com o uso de um aparelho AMPEX, enxergar
as “ondas” do áudio. Maravilhoso e inesquecível aquilo.
Sr. Benito di Nardo: seu trabalho prevaleceu até mesmo na BKS.
Eu nasci em 1981, e quando comecei
a “compreender” televisão – e também hoje vendo filmes antigos – lembro de uma
participação ativa sua no estúdio BKS em meados desta década.
No final
dos anos 70, lembro que peguei um personagem no seriado Chips, na BKS, que foi
muito legal de fazer. A série era ótima e fazia muito sucesso. Os protagonistas
eram dublados por Ricardo Marigo e Aníbal Munhoz/ Hamilton Ricardo, e um dos
atores gringos saiu da série. O que entrou fui eu quem dublou. Eu fui realmente
muito ativo neste estúdio até meados dos anos 80. Dublava e também dirigia. No
começo dos anos 90, fiz duas novelas da Tv Bandeirantes: Os Adolescentes e Os
imigrantes.
CHIPS: sucesso nos Estados Unidos e no Brasil.
Ainda sobre a BKS, tenho uma dúvida há anos: saberia me dizer do por quê das dublagens oitentistas daquele estúdio terem um áudio tão "ecoado" em comparação às outras casas no mesmo período?
Sei sim. Como a BKS ficou no lugar da AIC, as salas dos estúdios eram muito grandes, e o microfone não era o ideal para aquele tamanho. A mesma coisa ocorria com a Álamo, que tinha estúdios grandes também, mas lá, o seu Michael tinha microfones Neumann importados da Alemanha, de mais de US$ 10 mil em cada sala. É este o motivo das dublagens da Álamo serem tão nítidas que parecem som de CD, mesmo na época onde tudo era analógico.
Uma pequena entrevista no final dos anos 80, para a Tv Bandeirantes.
E sobre o período de sua “chegada”
na Álamo? Segundo minhas pesquisas, foi no ano de 1988 que comecei a ouvi-lo em
produções desta casa.
Lembro
que cheguei na Álamo no final dos anos 80. O Líbero Miguel era Coordenador Artístico,
e depois a Nair Silva. Fui funcionário contratado da empresa. Fiz muitos amigos por
lá, mas tinha um ser humano que era diferenciado: seu Michael Stoll, o
proprietário. Era impressionante a visão que este homem tinha, estava sempre
muito a frente dos demais, sobre todos os âmbitos. E a sua empresa, idem. Os
equipamentos de lá eram “Top”, tudo da mais alta tecnologia internacional. Lembro-me
de muitos conselhos que me foram dados por esta figura saudosa. Ele tinha um
jeito peculiar de falar, com o sotaque inglês que marcava muito.
Lembrei-me
de um fato hilário: o seu Michael tinha um taco e algumas bolas de golfe que
ficavam guardados na sala de cinema da empresa, e um dia, eu inventei de mexer
naquilo. O pessoal da área técnica que trabalhava lá falava “olha Parisi,
cuidado com isso, o seu Michael vai ficar zangado com você” e eu ignorava.
Quando menos percebi, estando de costas, o homem apareceu no piso superior e
soltou um “inclina mais o corpo, Parisi”, com aquele sotaque característico.
Levei um susto, achando que iria ficar bravo, mas ao contrário, até me ensinou
a postura correta. Foi um grande homem.
Você se recorda das suas
participações nas grandes séries japonesas, que marcaram a infância de tanta
gente, e são até hoje lembradas pelos fãs?
Sobre os
personagens, é difícil de lembrar, mas outro dia um fã me enviou um vídeo e eu
me reconheci, com a voz bem mais jovem. Fizemos mesmo muita coisa.
Rei Zeba, do Impériso Subterrâneo Tube, o vilão supremo do seriado Maskman.
Fale por favor, sobre algumas
pessoas dessa época que já não estão mais entre nós.
Tinha
muita gente marcante trabalhando junto nesse período. Vou citar alguns nomes:
Líbero Miguel era a competência em pessoa. Aquele sim literalmente conhecia a arte
como “arte”. Sempre esteve a frente de cargos de chefia ou direção, por sua
competência reconhecida. Marcos Lander era ser humano fantástico. Muito
inteligente e do bem. Poliglota. Pouco antes de falecer, estava finalizando os
estudos em Francês, e iria morar em Paris. Eleu Salvador
era outro ser humano diferenciado. Teve chances de ocupar altos cargos, mas
nunca quis. Não era esse o foco dele. Waldir Wey era também um grande ator, dos
primórdios de tudo, mas tinha uma personalidade um pouco introvertida. Tem
também outros nomes que nortearam o ramo que merecem ser citados, como Gastão
Malta, Araken Saldanha, Renato Marcio Bonfim, Baptista Linardi, enfim.
Os três Sacerdotes dos Gorgom, vilões do Black Kamen Rider. Atuações marcantes de Patrícia Scalvi (Pérola), Ricardo Nóvoa (Danker) e José Parisi Junior (Baraom). Ao fundo, Taurus, na voz de Ricardo Pettine.
Por volta do ano de 1991, percebi
a diminuição de sua participação por lá. A que se deve esse sumiço?
Nesse
período, o João Francisco Garcia – também muito ativo naquele estúdio - e eu
criamos uma empresa chamada ImageNoSom. Não tínhamos estúdio próprio, e
locávamos ora algum da BKS, ora algum da Álamo. Fizemos novelas, filmes, várias
coisas. Em pouco tempo mudamos o foco (e o nome) do projeto, e montamos a
DublaVideo, que existe até hoje. Enquanto o estúdio da Rua Araçatuba não ficava
pronto, continuávamos com as locações. Depois de um tempo, por divergências
artísticas, me desliguei da sociedade e foquei no meu mais novo projeto solo, a
Parisi Vídeo.
Beta Top Gunder, o inimigo/ aliado do herói Metalder. Nesta série, dublou também o cão Springer.
Vitor Leonardo: Parisi, e sobre o
Eduardo Camarão? Falei com o Nelson Machado no Rio semana passada, e ele me
disse que ele “mora e não mora no Brasil...”
O Camarão
é um cara muito inteligente. Realmente, ele mora em SP seis meses por ano, e
nos outros seis em Angola.
Ele escreve Sitcom’s por lá, e é muito famoso. Tudo o que faz
sucesso naquele país é de autoria dele. Foi Coordenador da Álamo por um breve
período, e depois montou seu próprio estúdio, a Lypsinc, que não deu muito
certo. Desde então, afastou-se do meio da dublagem.
Sede da Parisi Video, na Vila Madalena.
Realmente, a Parisi Video apareceu
muito forte no mercado, mas foi um período que não acompanhei nada na TV, por
morar, trabalhar e estudar fora. Só sei aquilo que está na internet e que saiu
nas revistas da época...
A Parisi
Vídeo era um projeto que vinha dando muito certo. Tínhamos trabalho,
tecnologia, pessoal e infra-estrutura. Um histórico de muitas séries de sucesso
também. Muitos dubladores que hoje fazem sucesso e são queridos do público, embora não tivessem começado por lá, tiveram suas carreiras alavancadas nesse período. Fizemos o primeiro CSI, uma parte de Pokémon, Inuyasha e vários filmes.
Por conta deste histórico, fechei parceria para a dublagem de três animes de
muitos capítulos com um grande distribuidor, o que me fez investir ainda mais
no estúdio. As séries eram Crayon Shin-chan, Yu-Gi-Oh! e Super
Doll Lika-chan. Todas
iam muito bem na TV aberta, e as gravações seguiam a todo vapor. Eis que numa
noite a Band exibiu um programa de auditório onde se dizia que de certa forma o
Shin-chan – por algumas cenas mais “fortes” – incitava o homossexualismo entre
as crianças, e as outras duas o satanismo. Eu já tinha dado um toque para o licenciador que algumas coisas poderiam ser consideradas "pesadas", mas como o sucesso estava no auge, ele mandou eu ignorar. No dia seguinte, um desembargador do
Rio proibiu a veiculação dos desenhos em todo aquele estado, mas a geração do
sinal era a nível Brasil; não havia como restringir apenas o RJ. Resultado: o
canal tirou do ar sem prévio aviso. O distribuidor – que também já tinha “n”
contratos ficou na mão – e eu também não podia mais desfazer o que havia sido
feito. Resumindo, o desfecho foi o efeito dominó.
Yu-Gi-Oh! - o herói (em termos de sucesso) que virou vilão (complicando a empresa).
E após o fechamento do estúdio, o
que fez?
Antes de responder, faço questão de ressaltar uma pessoa que esteve sempre ao meu lado na Parisi Video: a diretora Gisa della Mare. Fiquei
anos afastado do meio, pois estava queimado. Tentei outras coisas, mas sem
sucesso. E eu cheguei onde achei que era o fundo do poço pra mim, e tentei
voltar, mas não tive muito apoio. Alguns fizeram campanha contra, outros
ficaram em cima do muro, mas também tive amigos que levantaram a bandeira e
bancaram a minha volta, dos quais três deles faço questão de citar: Lúcia
Helena Azevedo, Leonardo Camillo, e Luiz Antonio Lobue. São pessoas de um
caráter ímpar.
Gisa della Mare e José Parisi Junior: parceria de sucesso no ápice da Parisi Video.
E assim conseguiu ingressar
novamente no ramo?
Tive
algumas dificuldades nessa volta, caminhos tortuosos, mas hoje posso dizer que
estou feliz. Dirijo no estúdio Lexx, que é o que eu gosto de fazer. Sempre
gostei. Posso dizer que estou plenamente feliz.
E o que acha da dublagem de hoje
em dia?
A
dublagem mudou muito, nem de longe é artística como era no passado, mas também
há inúmeras ferramentas disponíveis pra ajudar, como o Pro Tools. O ritmo é
muito rápido, os anéis tem que “render”, e a demanda também é grande. Isso tudo
porque não se imaginava o boom que ia ocorrer com a propagação da TV paga no
começo dos anos 90, e a popularização dela nos anos 2.000. Tínhamos cerca de
meia dúzia de canais abertos, e, na melhor das perspectivas, o que poderia
acontecer? Dobrar? Mas não... triplicou, quadruplicou. Hoje temos talvez quase 100
canais passando em sua grande maioria filmes dublados. E a dublagem tem que
acompanhar o ritmo. É o preço do progresso.
Print da tela do poderosíssimo software Pro Tools.
E sobre o advento na
internet? Você até mesmo entrou para o Facebook...
É muito
legal. Confesso que não sou muito bom nisso, tenho dificuldades de lidar, não
sou um gênio como o Nelson Machado. Mas é muito prazeroso ver as montagens que
os fãs fazem e marcam a gente, tem coisa ali que eu não fazia a mínima idéia
que tinha feito na vida. E tem também você, que cataloga e pesquisa tudo aquilo
que assiste, nos marcando e divulgando. Esse seu trabalho é muito importante,
meus parabéns.
Muito obrigado! E algum projeto
paralelo?
Estou
também afiliado a fundação Pró-TV, ao lado de nomes como Vida Alves, que
recentemente lançou um livro sobre os primórdios da tv, e temos expectativas de
conseguir fazer muito pela história da arte neste país. Há também uma tentativa
de revitalizar a Rua do Triunfo, um dos maiores pólos cinematográficos dos anos
70 e 80, onde diretores como José Mojica Marins (Zé do Caixão) começaram a
ficar conhecidos. Por conta disso, tenho reencontrado muitos amigos de outrora.
Tem muita coisa legal acontecendo.
Ouça a voz de José Parisi Junior, dublando o Metalder na Álamo, em 1989:
Há pouco mais de um ano, tive a oportunidade - e o imenso prazer - de conhecer pessoalmente a atriz/ diretora/ dubladora Lucia Helena Azevedo, uma das profissionais mais gabaritadas e conhecidas da dublagem paulista. Ao lado dos amigos Vitor Souza e Yuri Calandrino, nos encontramos na hora do almoço, e pudemos conversar um pouco sobre a dublagem de um modo geral.
Lucinha foi extremamente gentil e atenciosa, doando seu tempo por algumas horas e contando coisas muito legais sobre sua carreira na dublagem, e pessoas que conheceu durante a vida profissional.
Como o foco deste espaço são as séries japonesas dos anos 80 e 90, estarei transcrevendo praticamente todo o bate papo focado nesse tema, respeitando ao máximo a oralidade, assim como fiz quando conheci a Christina Rodrigues. Vamos ao que interessa:
Quando
você começou a carreira na dublagem? É possível Lembrar o ano, quem foi o
diretor, o estúdio e o personagem?
Comecei a
dublar com 12 anos. Hoje tenho 54, então foi em 1971, certo? Minha mãe, Yolanda
Cavalcanti, era dubladora e trabalhava bastante na A.I.C. Tivemos uma vida bem
pobre, e quando eu saia da escola, ia direto para o estúdio me encontrar com
ela, e almoçávamos juntas numa venda que tinha lá perto. Um dia, o Nelson
Baptista nos viu e disse que queria que eu fosse com ele fazer uma gravação.
Relutei, pois tinha vergonha, e ele insistiu tanto que acabei indo. Era a série
O Elo Perdido, onde ele fazia o menino, o Gilberto Baroli o pai, e eu a irmã.
Fiz essa série inteirinha com ele me dirigindo diretamente na bancada. Depois,
a informação de que eu estava dublando espalhou-se e chegou até a Cine Castro,
então o Silvio Navas me chamou pra fazer um dos primeiros animes, eu acho, e o
nome era Guzula. Fazia a amiga do monstrinho, a principal da série, e era muito
gostoso fazer. Foram séries importantes com pessoas importantes no meio. Dublei
também vários filmes na época, mas esses dois marcaram mais por serem os
primeiros.
Em
todos esses anos de carreira, qual o trabalho que mais exigiu de você, seja ele
na direção ou na dublagem?
Ao longo
desses anos todos, foram tantos trabalhos importantes que fica difícil citar
um só. Mas teve um filme, que infelizmente eu não lembro o nome, mas era uma
mulher que era surda e tinha dificuldade pra falar. Ela era a protagonista e
falava o tempo todo, ria, chorava, tudo com muita dificuldade, era quase como
se tossisse quando falava. Ela era muito intensa, muito emocional, enfim, foi
muito trabalhoso fazer, e foi um desafio que motivou elogios, inclusive da
própria emissora que exibiu o longa metragem. Todos os colegas que assistiram
elogiaram. Já faz muito tempo, mas marcou. Vou citar um outro, que também
exigiu muito de mim e é mais recente: GLEE, onde dublei a Sue Sylvester. Foi
legal de fazer, e foi um trabalho importante. Na direção, há alguns anos dirigi o
PRISON BREAK inteiro, que exigiu muito de mim, me envolvi ao extremo e tentei
fazer da melhor forma possível, me preocupando muito com a amarração da
historia de cada um. Ambos foram na DublaVideo.
Como
foi a época das séries japonesas, iniciada em 1986 e finalizada em 1995? Havia
testes para os personagens fixos ou simplesmente a escalação, baseado no
conhecimento que o diretor tinha da capacidade de cada ator?
Foi
exatamente neste período que cheguei na Álamo. Nunca havia dublado neste
estúdio enquanto o prédio era na Major Sertório, só depois que mudou pra Rua
Fidalga. Comecei fazendo algumas pontas no Jaspion e Changeman, dentre outras
coisas, até chegar o dia em que o fui presenteada com a Sara/ Yellow Flash. Sim,
a escalação era sempre segundo o feeling
do diretor, que era o saudoso Líbero Miguel na época.
Seus
primeiros trabalhos nesse gênero de série foram a Sáti e a Kanôko em Jaspion, e a
Áira e Nâna em
Changeman. Em seguida vc protagonizou Flashman, fazendo a
Sara/ Yellow Flash. Como foi fazer a personagem numa das melhores dublagens na
opinião dos fãs até hoje?
Sempre
digo que a personagem que mais gostei de fazer foi a Sara, de tudo que fiz até
hoje. Isso por que naquela época, éramos uma equipe muito unida, todos jovens,
e que estávamos adorando dublar aquilo. Gravávamos todos juntos no estúdio 03
da Álamo, e nos divertíamos demais. As vezes um de nós errava, e tínhamos que
fazer tudo de novo, daí o Líbero entrava “bravo” no estúdio e eu abraçava ele e
acabávamos todos rindo. Até o seu Michael Stoll, dono da empresa, que era mais sério acabou se
divertindo.
Depois
do sucesso como Yellow Flash, vieram outros personagens eternizados pela sua
voz, na sequência: Shinobú em
Lion Man (Laranja); Ágnes e Janne em Jiraiya; Yôko em Jiban;
Saôri em Lion Man
(Branco); e várias pontas em Metalder e Sharivan. Recorda-se da Yôko e da
Shinobú?
Lembro
sim, mas no caso da Yôko, ela aparecia menos, pois o principal era o Jiban,
personagem do meu querido e saudoso Carlos Laranjeira.
Você
se lembra de algum fato curioso dos bastidores na época das gravações?
Lembro de
nos divertirmos muito, o Brêtas era animado, o Camarão era um pouco mais
reservado, mas também brincava, o Laranjeira maravilhoso e a Christina que
sempre foi minha amiga, um doce. No fim do dia, depois de todas as gravações, íamos
quase todo mundo para um barzinho descontrair. Isso acontecia com freqüência.
Quando acabamos de fazer o Flashman, o Líbero e o seu Michael reuniram o elenco
todo, e disseram que aquele era o melhor trabalho que tinham feito, mas porque
tinha sido feito ali e com aquelas pessoas. Todos choramos e nos abraçamos, emocionados.
Fale
um pouco sobre Líbero Miguel e Carlos Laranjeira, profissionais brilhantes que
participavam frequentemente dos seriados, e que protagonizaram personagens ímpares
durante suas carreiras.
Líbero
foi como um pai pra mim. Adorava ele e senti muito quando partiu. Na minha
opinião, nesta época, ele foi o maior e melhor diretor da história da dublagem,
insubstituível, maravilhoso caráter e extrema competência. Amo ele onde quer
que esteja.
Já o
Laranjeira, foi o irmão que não tive. Conheci ele neste período, e nos tornamos
amigos inseparáveis. Ele era uma pessoa muito honesta, leal, amigo, bondoso,
humano, simples, risonho, e muito bonito por dentro e por fora. Adorava tomar
sol, mesmo se fosse no topo do prédio onde morava. Não tinha vício nenhum, e
adorava tomar suco natural, e eu acompanhava, sempre depois de dublar. Cantava divinamente,
e a música predileta dele era “Paz do meu Amor/ Menino Passarinho”, que
acompanhava tocando seu violão. No começo de 1991 ele ficou doente, afastou-se
da dublagem, e foi morar em Santos com a família. Ficou vivendo lá, com uma das
irmãs, onde continuou trabalhando com arte. Eu ia e voltava todos os dias para visitá-lo,
e fiquei ao lado dele até o fim. A tristeza pela sua partida foi tanta que
fiquei uma semana sem trabalhar. Até hoje sinto a falta dele. O vazio que ele
deixou continua dentro de mim. Nunca mais a dublagem foi a mesma desde que eles
se foram. Não existem mais pessoas como eles.
Outros
grandes profissionais marcaram nossas vidas dublando inúmeros heróis e vilões,
mas não existe quase nenhuma informação sobre eles, alguns nem mesmo uma só
foto. Poderia nos contar algo?
Agora
você já tem as fotos do Gastão Malta e do Ricardo Medrado. Gastão era uma
pessoa séria, não gostava muito de brincadeiras, mas comigo sempre foi
carinhoso, até porque já me conhecia desde pequena por causa da minha mãe.
Marcos Lander tinha um humor fantástico, coisa que é difícil explicar. Era uma
pessoa que brincava com tudo, sem baixar o nível e debochar, de bem com a vida.
Era cativante. A Sônia Regina foi uma das minhas melhores amigas na época. João
Paulo era o galã da dublagem, com aquela voz maravilhosa, tinha cabelos meio
longos e usava bigode. Alguns atores de cinema só ele fazia. Ricardo Medrado
era um jovem que andava de moto e usava roupas escuras. Curtia rock, e sempre usava óculos
escuros. Tinha personalidade forte, mas era muito engraçado, descolado e
inteligente. O Líbero gostava demais dele. O Nelson Baptista foi um dos
diretores mais exigentes que conheci, pra ele não tinha meio termo, ou estava
ótimo, ou estava péssimo. Aprendi muito com ele.
O
que tem feito atualmente? Seja na dublagem, direção ou outros projetos? No caso
de direção, em qual estúdio?
Até uns 3
anos atrás eu dublava frequentemente e dirigia na DublaVideo em tempo integral.
Mas começou a ficar exaustivo demais, e acabei recebendo um convite da Tempo
Filmes para dirigir apenas meio período, e acabei aceitando. Atualmente estou
fazendo direção na Vox Mundi e na Centauro, intercalando direção e dublagem ao longo dos dias.
São pouquíssimos estúdios de São Paulo que eu não trabalho.
Deixo aqui registrado meu muito obrigado à Lucinha, que realizou mais um dos tantos sonhos da minha vida quando se diz respeito a dublagem: o de poder encontrá-la pessoalmente e ouvir a sua voz - que pela vida toda acompanhei pela TV - saindo diretamente de sua boca. Foi emocionante e marcante para mim, e jamais esquecerei este dia. Longa vida e saúde para o sinônimo de voz das moças de olhos puxados nos anos 80 da Álamo!
Espaço dedicado a tratar principalmente de assuntos relacionados a dublagem e seriados japoneses, duas das minhas paixões desde a infância.
Um gênero de TV que em seu país de origem tem como público alvo as crianças, mas que no Brasil conquistou uma geração de adolescentes e adultos, e continua cativando pessoas com o passar dos anos. Grande atores interpretaram, por meio da dublagem, esses heróis que estão marcados em nossa vida.
Outros assuntos poderão ser abordados sem prévio aviso.