Como venho tendo o prazer de fazer nos últimos anos, cá estou eu relatando mais um dia inesquecível e prazeroso de minha vida, onde tive a oportunidade de conhecer outro dublador que marcou minha infância e adolescência com seus trabalhos: ninguém menos que José Parisi Junior. Ele, que tem uma vasta carreira na arte, já foi sócio e dono de famosos estúdios ao longo dos anos, mas para aqueles que acompanham este blog, certamente não há necessidade de apresentação.
Nosso encontro e bate papo ocorreu em São Paulo, no dia 27/07/2014, nas dependências do restaurante Planeta's, um agradável estabelecimento, com ótima comida, e claro, chopp gelado. E claro, como de costume, na companhia do amigo Vitor Souza:
Parisi conversa sobre tudo, não foge de perguntas, e toca em assuntos polêmicos do passado por si só: faz questão de explicar inúmeros acontecimentos envolvendo seu nome e uma de suas empresas.
Pois bem, sem mais delongas, segue um resumo de tudo o que conversamos,
focado mais no período preferido por mim da dublagem, que são os anos 80
e 90 da arte paulista:
A pergunta clichê: quando e como
você iniciou a carreira na dublagem?
Comecei
quando tinha menos de 10 anos, indo junto com meu pai para a A.I.C. Ficava
sentado acompanhando as gravações, mas na época, confesso que não me agradava
muito, afinal, via um bando de adultos em volta da estante, fumando,
conversando, e cenas do que estava sendo dublado no telão, mas não em
seqüência, por isso não tinha como compreender nada. Lembro de praticamente
todos os precursores dessa época, talentos inigualáveis que foram meus amigos
pela vida toda.
E onde encaixa o seu pai na
história da arte?
Ele foi
um nome importante da TV. Dirigiu e atuou em muitas obras. Fez sucesso na rede
pioneira, a Tupi. E também dublou uma grande parte da vida, praticamente até
falecer, no fim dos anos 80. Nessa época, a dublagem era uma arte meio
abnegada, pois muita gente tinha vergonha de dizer que dublava, embora
praticamente estivessem vivendo daquilo. O sinônimo de sucesso era mesmo o
rádio e a TV.
José Parisi "pai": onde tudo começou.
Lembra de algum fato curioso desse
início?
Um fato
legal que me recordo era da qualidade da pessoa do senhor Benito di Nardo. Eu
fui me aproximando dele, porque muito pouca gente dava a devida importância
para a contra-regra, mas era um trabalho extremamente meticuloso na época. Cada
dia ele me chamava pra ver uma coisa diferente, e uma que tenho a nítida
lembrança, foi de quando ele literalmente me fez “ver o som”, através da banda
magnética impressa na película. Era possível, com o uso de um aparelho AMPEX, enxergar
as “ondas” do áudio. Maravilhoso e inesquecível aquilo.
Sr. Benito di Nardo: seu trabalho prevaleceu até mesmo na BKS.
Eu nasci em 1981, e quando comecei
a “compreender” televisão – e também hoje vendo filmes antigos – lembro de uma
participação ativa sua no estúdio BKS em meados desta década.
No final
dos anos 70, lembro que peguei um personagem no seriado Chips, na BKS, que foi
muito legal de fazer. A série era ótima e fazia muito sucesso. Os protagonistas
eram dublados por Ricardo Marigo e Aníbal Munhoz/ Hamilton Ricardo, e um dos
atores gringos saiu da série. O que entrou fui eu quem dublou. Eu fui realmente
muito ativo neste estúdio até meados dos anos 80. Dublava e também dirigia. No
começo dos anos 90, fiz duas novelas da Tv Bandeirantes: Os Adolescentes e Os
imigrantes.
CHIPS: sucesso nos Estados Unidos e no Brasil.
Ainda sobre a BKS, tenho uma dúvida há anos: saberia me dizer do por quê das dublagens oitentistas daquele estúdio terem um áudio tão "ecoado" em comparação às outras casas no mesmo período?
Sei sim. Como a BKS ficou no lugar da AIC, as salas dos estúdios eram muito grandes, e o microfone não era o ideal para aquele tamanho. A mesma coisa ocorria com a Álamo, que tinha estúdios grandes também, mas lá, o seu Michael tinha microfones Neumann importados da Alemanha, de mais de US$ 10 mil em cada sala. É este o motivo das dublagens da Álamo serem tão nítidas que parecem som de CD, mesmo na época onde tudo era analógico.
Uma pequena entrevista no final dos anos 80, para a Tv Bandeirantes.
E sobre o período de sua “chegada”
na Álamo? Segundo minhas pesquisas, foi no ano de 1988 que comecei a ouvi-lo em
produções desta casa.
Lembro
que cheguei na Álamo no final dos anos 80. O Líbero Miguel era Coordenador Artístico,
e depois a Nair Silva. Fui funcionário contratado da empresa. Fiz muitos amigos por
lá, mas tinha um ser humano que era diferenciado: seu Michael Stoll, o
proprietário. Era impressionante a visão que este homem tinha, estava sempre
muito a frente dos demais, sobre todos os âmbitos. E a sua empresa, idem. Os
equipamentos de lá eram “Top”, tudo da mais alta tecnologia internacional. Lembro-me
de muitos conselhos que me foram dados por esta figura saudosa. Ele tinha um
jeito peculiar de falar, com o sotaque inglês que marcava muito.
Lembrei-me
de um fato hilário: o seu Michael tinha um taco e algumas bolas de golfe que
ficavam guardados na sala de cinema da empresa, e um dia, eu inventei de mexer
naquilo. O pessoal da área técnica que trabalhava lá falava “olha Parisi,
cuidado com isso, o seu Michael vai ficar zangado com você” e eu ignorava.
Quando menos percebi, estando de costas, o homem apareceu no piso superior e
soltou um “inclina mais o corpo, Parisi”, com aquele sotaque característico.
Levei um susto, achando que iria ficar bravo, mas ao contrário, até me ensinou
a postura correta. Foi um grande homem.
Você se recorda das suas
participações nas grandes séries japonesas, que marcaram a infância de tanta
gente, e são até hoje lembradas pelos fãs?
Sobre os
personagens, é difícil de lembrar, mas outro dia um fã me enviou um vídeo e eu
me reconheci, com a voz bem mais jovem. Fizemos mesmo muita coisa.
Rei Zeba, do Impériso Subterrâneo Tube, o vilão supremo do seriado Maskman.
Fale por favor, sobre algumas
pessoas dessa época que já não estão mais entre nós.
Tinha
muita gente marcante trabalhando junto nesse período. Vou citar alguns nomes:
Líbero Miguel era a competência em pessoa. Aquele sim literalmente conhecia a arte
como “arte”. Sempre esteve a frente de cargos de chefia ou direção, por sua
competência reconhecida. Marcos Lander era ser humano fantástico. Muito
inteligente e do bem. Poliglota. Pouco antes de falecer, estava finalizando os
estudos em Francês, e iria morar em Paris. Eleu Salvador
era outro ser humano diferenciado. Teve chances de ocupar altos cargos, mas
nunca quis. Não era esse o foco dele. Waldir Wey era também um grande ator, dos
primórdios de tudo, mas tinha uma personalidade um pouco introvertida. Tem
também outros nomes que nortearam o ramo que merecem ser citados, como Gastão
Malta, Araken Saldanha, Renato Marcio Bonfim, Baptista Linardi, enfim.
Os três Sacerdotes dos Gorgom, vilões do Black Kamen Rider. Atuações marcantes de Patrícia Scalvi (Pérola), Ricardo Nóvoa (Danker) e José Parisi Junior (Baraom). Ao fundo, Taurus, na voz de Ricardo Pettine.
Por volta do ano de 1991, percebi
a diminuição de sua participação por lá. A que se deve esse sumiço?
Nesse
período, o João Francisco Garcia – também muito ativo naquele estúdio - e eu
criamos uma empresa chamada ImageNoSom. Não tínhamos estúdio próprio, e
locávamos ora algum da BKS, ora algum da Álamo. Fizemos novelas, filmes, várias
coisas. Em pouco tempo mudamos o foco (e o nome) do projeto, e montamos a
DublaVideo, que existe até hoje. Enquanto o estúdio da Rua Araçatuba não ficava
pronto, continuávamos com as locações. Depois de um tempo, por divergências
artísticas, me desliguei da sociedade e foquei no meu mais novo projeto solo, a
Parisi Vídeo.
Vitor Leonardo: Parisi, e sobre o
Eduardo Camarão? Falei com o Nelson Machado no Rio semana passada, e ele me
disse que ele “mora e não mora no Brasil...”
O Camarão
é um cara muito inteligente. Realmente, ele mora em SP seis meses por ano, e
nos outros seis em Angola.
Ele escreve Sitcom’s por lá, e é muito famoso. Tudo o que faz
sucesso naquele país é de autoria dele. Foi Coordenador da Álamo por um breve
período, e depois montou seu próprio estúdio, a Lypsinc, que não deu muito
certo. Desde então, afastou-se do meio da dublagem.
Sede da Parisi Video, na Vila Madalena.
Realmente, a Parisi Video apareceu
muito forte no mercado, mas foi um período que não acompanhei nada na TV, por
morar, trabalhar e estudar fora. Só sei aquilo que está na internet e que saiu
nas revistas da época...
A Parisi
Vídeo era um projeto que vinha dando muito certo. Tínhamos trabalho,
tecnologia, pessoal e infra-estrutura. Um histórico de muitas séries de sucesso
também. Muitos dubladores que hoje fazem sucesso e são queridos do público, embora não tivessem começado por lá, tiveram suas carreiras alavancadas nesse período. Fizemos o primeiro CSI, uma parte de Pokémon, Inuyasha e vários filmes.
Por conta deste histórico, fechei parceria para a dublagem de três animes de
muitos capítulos com um grande distribuidor, o que me fez investir ainda mais
no estúdio. As séries eram Crayon Shin-chan, Yu-Gi-Oh! e Super
Doll Lika-chan. Todas
iam muito bem na TV aberta, e as gravações seguiam a todo vapor. Eis que numa
noite a Band exibiu um programa de auditório onde se dizia que de certa forma o
Shin-chan – por algumas cenas mais “fortes” – incitava o homossexualismo entre
as crianças, e as outras duas o satanismo. Eu já tinha dado um toque para o licenciador que algumas coisas poderiam ser consideradas "pesadas", mas como o sucesso estava no auge, ele mandou eu ignorar. No dia seguinte, um desembargador do
Rio proibiu a veiculação dos desenhos em todo aquele estado, mas a geração do
sinal era a nível Brasil; não havia como restringir apenas o RJ. Resultado: o
canal tirou do ar sem prévio aviso. O distribuidor – que também já tinha “n”
contratos ficou na mão – e eu também não podia mais desfazer o que havia sido
feito. Resumindo, o desfecho foi o efeito dominó.
E após o fechamento do estúdio, o
que fez?
Antes de responder, faço questão de ressaltar uma pessoa que esteve sempre ao meu lado na Parisi Video: a diretora Gisa della Mare. Fiquei
anos afastado do meio, pois estava queimado. Tentei outras coisas, mas sem
sucesso. E eu cheguei onde achei que era o fundo do poço pra mim, e tentei
voltar, mas não tive muito apoio. Alguns fizeram campanha contra, outros
ficaram em cima do muro, mas também tive amigos que levantaram a bandeira e
bancaram a minha volta, dos quais três deles faço questão de citar: Lúcia
Helena Azevedo, Leonardo Camillo, e Luiz Antonio Lobue. São pessoas de um
caráter ímpar.
Gisa della Mare e José Parisi Junior: parceria de sucesso no ápice da Parisi Video.
E assim conseguiu ingressar
novamente no ramo?
Tive
algumas dificuldades nessa volta, caminhos tortuosos, mas hoje posso dizer que
estou feliz. Dirijo no estúdio Lexx, que é o que eu gosto de fazer. Sempre
gostei. Posso dizer que estou plenamente feliz.
E o que acha da dublagem de hoje
em dia?
A
dublagem mudou muito, nem de longe é artística como era no passado, mas também
há inúmeras ferramentas disponíveis pra ajudar, como o Pro Tools. O ritmo é
muito rápido, os anéis tem que “render”, e a demanda também é grande. Isso tudo
porque não se imaginava o boom que ia ocorrer com a propagação da TV paga no
começo dos anos 90, e a popularização dela nos anos 2.000. Tínhamos cerca de
meia dúzia de canais abertos, e, na melhor das perspectivas, o que poderia
acontecer? Dobrar? Mas não... triplicou, quadruplicou. Hoje temos talvez quase 100
canais passando em sua grande maioria filmes dublados. E a dublagem tem que
acompanhar o ritmo. É o preço do progresso.
E sobre o advento na
internet? Você até mesmo entrou para o Facebook...
É muito
legal. Confesso que não sou muito bom nisso, tenho dificuldades de lidar, não
sou um gênio como o Nelson Machado. Mas é muito prazeroso ver as montagens que
os fãs fazem e marcam a gente, tem coisa ali que eu não fazia a mínima idéia
que tinha feito na vida. E tem também você, que cataloga e pesquisa tudo aquilo
que assiste, nos marcando e divulgando. Esse seu trabalho é muito importante,
meus parabéns.
Muito obrigado! E algum projeto
paralelo?
Estou
também afiliado a fundação Pró-TV, ao lado de nomes como Vida Alves, que
recentemente lançou um livro sobre os primórdios da tv, e temos expectativas de
conseguir fazer muito pela história da arte neste país. Há também uma tentativa
de revitalizar a Rua do Triunfo, um dos maiores pólos cinematográficos dos anos
70 e 80, onde diretores como José Mojica Marins (Zé do Caixão) começaram a
ficar conhecidos. Por conta disso, tenho reencontrado muitos amigos de outrora.
Tem muita coisa legal acontecendo.
Ouça a voz de José Parisi Junior, dublando o Metalder na Álamo, em 1989:
9 comentários:
Valeu a postagem!!
Já faz 11 meses.
Voz do José parece Guilherme Lopes. um pouco.
Eita Ivan cada dia melhor bom o Parisi e sem duvida uma figura impar e um prazer telo como colega de trabalgo e isso ai
Bem legal! O 'sinistríssimo Rei Zeba', né?! rs Uma pena o que aconteceu com o estúdio dele e legal ele ter conseguido dar a volta por cima! Gostei também de terem citado o 'Camarão'...já vi que esse daí não vai ser fácil!rs Mas que bom saber que ele está fazendo muito sucesso lá em Angola! Gostei! Um abraço e parabéns pela matéria!
bom conhecer e entender um pouco mais sobre essa pessoa maravilhosa q vc é parise. confesso q fiquei super curiosa para saber mais e mais sobre vc e seu trabalho. bjs. sou sua fã
RIP.... Vilões de Tokusatsu.
E pensar que a polêmica de Yu-Gi-Oh foi tanta que chegou a atolar a carreira de alguém tão brilhante.
Me Entristece muito saber que sua morte não teve a devida repercussão.
Fará falta.
Deixou uma joia rara seu único filho
Arthur Barros Parisi, seu único filho
Nos faz muita falta
Buena página antigua
Muy buena
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